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domingo, 25 de novembro de 2012

Seu Jorge: “Na Lapa, só toco de novo em 2022”

O cantor e compositor carioca fala sobre o embate recente que teve com o público em um dos principais palcos do Rio, tema de discussões acaloradas nas redes sociais
Seu Jorge está magoado com os cariocas. Não com todos, claro. Apenas com a parcela que o vaiou no show que fez na Fundição Progresso, na Lapa, no dia 27 de outubro. O protesto veio quando o cantor e compositor declamava a letra de “Negro drama”, um rap dos Racionais MC sobre a dura vida dos negros no Brasil. Seguiram-se as vaias e gritos de “Canta! Canta!”. O público queria dançar ao som de sucessos como “Carolina” e “Burguesinha”. A resposta de Seu Jorge foi a frase “Viva a alienação carioca!”, e a apatia. O artista está com 42 anos, e começou a carreira como líder da banda Farofa Carioca. Ganhou fama mundial como o Mané Galinha do filme Cidade de Deus, de Fernando Meirelles. Consagrou-se nos palcos da Europa, mas só foi reconhecido pelo grande público no Brasil com o disco em parceria com a cantora Ana Carolina, em 2005. Criado em Belford Roxo, na Baixada Fluminense, hoje mora em São Paulo, no Morumbi. As vaias na Lapa o afastaram ainda mais de sua terra natal. Depois do protesto de parte de seu público, cantou como quem “cumpre tabela”, com os olhos baixos, sem a animação habitual. Um fã postou o relato do ocorrido em seu blog e o assunto tomou as redes sociais, entre apoiadores e detratores. Em entrevista para o lançamento de seus novos CD e DVD, Músicas para churrasco - Ao vivo – Vol. 1, ele confirma a mágoa e afirma que só toca de novo na Lapa em 2022, quando o público jovem estiver renovado. “A criança de 12 anos de hoje vai estar com 22”, diz. Fala também de seus planos para conquistar novos públicos, completando sua discografia com discos de todos os estilos – “samba, rock... Até sertanejo. Por que não?” – e da importância que o aval de Caetano Veloso teve em sua carreira.

ÉPOCA – Seu nome virou tema de discussão na internet no começo do mês por causa de um embate que você teve com parte do público de seu show na Fundição Progresso, no Rio de Janeiro. O que aconteceu?
 Seu Jorge – Eu não falei mal de ninguém. O público inteiro estava dançando e cantando, e em certo momento do show eu declamo “Negro drama”, rap dos Racionais MC, com trilha de sonoplastia, barulho de tiro... Fica claro que é teatro, que estou interpretando. Eu estava de fone de ouvido, porque é um texto grande e eu poderia me perder. Quando começou o ruído, eu não percebi. Estavam gritando “Canta! Canta!”, com vaias. A confusão se instaurou.
ÉPOCA – Qual foi a sua reação?
 Seu Jorge – Eu continuei falando da importância da luta dos negros no país, do exemplo do Joaquim Barbosa (ministro do Supremo Tribunal Federal, relator do julgamento do escândalo do Mensalão), do Dia da Consciência Negra, mas não ofendi ninguém. Logo depois, chamei uma amiga para cantar e, na volta, fiquei magoado, fiquei triste, aquilo me doeu. Era uma meia dúzia, entraram numa de “Estou pagando, canta aí o que eu quero... Tô aqui com a gatinha...”. Não estavam lá para ver o Seu Jorge. Estavam só a fim de beber, de zoar.
ÉPOCA – Você encontra pessoas assim em outros palcos do Brasil e do mundo, ou é típico do Rio de Janeiro?
 Seu Jorge – Esse cara é um personagem carioca. Abusado, folgadão, mal educado.
ÉPOCA – Mas o show continuou.
 Seu Jorge – Sim. Mas quando eu voltei, voltei outro cara. Só cantei. Não queriam que eu cantasse? Cantei, olhando para baixo. Não virei de costas porque era desrespeito com quem estava lá para me ver. Evitei qualquer menção de enfrentar, para evitar um mal maior, uma briga generalizada. Só falei a frase “Viva à alienação carioca!”. Deixei claro que não gostei. Fiz de propósito. No Rio, nessa configuração, na Lapa, só toco em 2022. Posso tocar em Vila Isabel, Padre Miguel, Nova Iguaçu. Mas nessa configuração, só em 2022. Porque o garoto de 12 anos terá 22. O público vai ter renovado.
ÉPOCA – O que o motiva, hoje, a trabalhar com música, depois do sucesso consolidado no Brasil e no exterior?
 Seu Jorge – Minha motivação é a continuação da minha discografia, fazendo discos de todos os estilos, sem defender nenhum gênero. Quero fazer disco de samba, rock, até sertanejo, por que não? Talvez com aquelas modas de viola... Eu penso nisso. Eu sou um autor, mas também um intérprete, o que me dá uma mobilidade maior porque me aproprio da experiência de ator. Se eu tenho um texto bom em uma letra, trago esse texto para o universo do teatro, mesmo que no registro de estúdio. Meu timbre sempre me localiza – “É o Seu Jorge” –, mas a interpretação é para chegar à ilusão que a música passa, independentemente do estilo. Isso é o que me motiva. Eu não sei por que música é tão imprescindível na vida das pessoas. Só sei que sei fazer isso, e é o melhor que eu sei fazer.
ÉPOCA – O Caetano Veloso participa de seu novo CD e DVD, cantando “São Gonça”, sua, e “Desde que o samba é samba”, dele. Você ainda considera importante que ícones da MPB como Caetano, Gilberto Gil e Chico Buarque, deem aval ao que é produzido de novo na música brasileira?
 Seu Jorge – Sim. São pessoas experientes, com 70 anos, que viram as várias mudanças na indústria da música, são homens que nunca descansaram. No caso do Caetano, um dos mais instigados a comentar o futuro da música, ele não faz distinção de gênero. Se uma pessoa histórica no mundo da música resolve dar opinião, é válido. Pior é quando não fala nada, fica fechado em seu próprio mundo, só ele é o cara, a figura importante... Aí, não. Todo e qualquer julgamento desses nomes, que falam e intercedem pela música brasileira, é válido. Fora do Brasil, foram eles que capinaram o matagal. Se hoje o Seu Jorge está disputando o mercado internacional é graças a Tom Jobim, Caetano Veloso. Eu não vejo o Stevie Wonder interceder por ninguém. O Prince, o Mick Jagger, o Elton John... Não vejo botarem ninguém “na fita”. Só a galera do rap americano faz isso, mas os ídolos pop, nunca vi. Acho sadio. A mídia tende a fingir que os novos talentos não existem. Em 1998, a Universal deu um disco do Farofa (Carioca, primeira banda de Seu Jorge, ainda no Rio de Janeiro) para o Caetano e ele disse que o disco era demais e que sua preferida era “São Gonça”. Eu fui avaliado, e ele nunca tinha me visto. Esse cara subia no palco para falar contra a ditadura militar. Antes do Marcelo D2 poder falar de maconha na música dele, foi o Caetano que apanhou na P.E. (Polícia do Exército, órgão usado para repressão durante a ditadura militar no Brasil) por conta dessa liberdade. E está produzindo ainda hoje. (Seu Jorge cantarola um trecho de “Neguinho”, do disco Recanto, de 2011, composto por Caetano e cantado por Gal Costa). Esse cara colocou a Gal na balada com essa música! Metade gostou, metade não gostou, e criou-se uma discussão na música. E ele fez isso com quase 70. Tem que respeitar.
Revista Época
Postado em 25 de novembro de 2012

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