A 15 dias do "fim do mundo": vilarejo
francês vira ponto de peregrinação
País vai enviar policiais extras à região para evitar confusões no dia 21 Foto: AFP
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Chuva de meteoros, planetas em rota de colisão com a
Terra, erupções solares, inversão dos polos... Muitas pessoas no mundo todo
estão apavoradas com as teorias apocalípticas que surgiram a partir de
interpretações do calendário maia. Segundo essa paranoia, o mundo deve acabar
no dia 21 de dezembro, de uma forma ou de outra. Essa história surgiu já há
alguns anos, mas ganhou especial força em 2009, com o lançamento do filme 2012,
estrelado por John Cusack, no qual tsunamis, terremotos e erupções vulcânicas
transformaram a Terra em um planeta caótico. O cenário hiperbólico levou a Nasa
a considerá-lo o filme mais absurdo da história da ficção científica. A
película mostra a saga de um grupo de pessoas que busca a salvação em meio às
catástrofes. E a vida real parece estar, mais uma vez, querendo imitar a
ficção. Tem gente que não quer esperar o mundo acabar para decidir o que vai
fazer e já está em busca de alternativas para se antecipar ao fim.
Uma das esperanças dos apocalípticos está na região
dos Pireneus, na França. Para chegar lá, o viajante precisa vencer muitos
quilômetros de estradas tortuosas em meio a assustadores desfiladeiros.
Literalmente no meio do nada, fica Bugarach, pequeno vilarejo de 200
habitantes, que normalmente ofereceria poucos atrativos turísticos. Diz-se que
em meio às cavernas da principal montanha da localidade há uma
"garagem" para discos voadores. Os extraterrestres apareceriam no
fatídico dia e salvariam da morte um pequeno grupo de escolhidos que estiver
por lá. A história toda começou na internet, impulsionada pela já difundida
fama esotérica do monte. As lendas dizem que já foram avistados objetos
voadores não identificados lá e que o lugar é protegido por uma grande força
magnética. O formato do pico, que está a 1231 m de altitude, também ajuda a
impulsionar a criatividade: é facilmente imaginável como uma pista de pouso
para óvnis.
Desde que esses boatos surgiram, em 2010,
autoridades de Bugarach se demonstraram preocupadas com as suas possíveis
consequências. Uma migração em massa poderia levar o caos ao pacato lugar. Para
agências de turismo, por outro lado, a exploração desse evento parecia
lucrativa.
"Invencionice"
"É uma
coisa completamente utópica, não existe possibilidade nenhuma desse episódio
acontecer", crava o professor Hernán Mostajo, diretor do Museu
Internacional de Ufologia, História e Ciência de Santa Maria, Rio Grande do
Sul. "É uma invencionice ligada a uma questão mítica muito forte. As
pessoas se entregam a uma falsa realidade", completa.
Segundo ele, a propagação desses rumores e aceitação
são explicadas por uma necessidade de participar de "algo a mais".
"Eles querem ver e participar de algo completamente inusitado. Têm esse
desejo tão fantástico, que acabam transformando o imaginário em realidade
aparente". É dessa mesma maneira que muitos dos relatos que Mostajo recebe
sobre a aparição de discos voadores têm origem. Além de explicável pela
psicologia, esse sentimento não é de hoje - notam-se anseios parecidos em todas
as grandes sociedades que já existiram. "Trata-se de um desejo muito
grande da civilização humana de querer um contato com algo a mais. Isso está
muito enraizado, temos fatos históricos ligados a essa necessidade",
conclui Mostajo.
Fechando o pico
Bugarach, de
fato, acabou se tornando um destino de peregrinação de grupos esotéricos. Nos
arredores do monte, pessoas nuas começaram a ser vistas meditando. Um dos
grupos avistados é de seguidores da Escola de Iluminação de Ramtha, movimento
espiritual criado pela americana J. Z. Knight, que encontra seguidores no mundo
todo. "É um belo argumento para o turismo. É um apelo de marketing, mas
baseado em uma história inventada, que não tem nenhuma prova", opina o
professor Hernán Mostajo.
Até agora, apesar dos temores, o vilarejo não sofreu
com grandes problemas em função disso. Em um trabalho de intenso acompanhamento
a fóruns da internet nos quais o assunto é debatido, autoridades estão
razoavelmente tranquilas e não acreditam na chegada de um número incontrolável
de pessoas ou de uma mobilização para um suicídio coletivo em massa. No
entanto, por se tratar de um fenômeno muito particular, não é possível ter essa
certeza. Além de mais hordas de fanáticos, quando o dia 21 de dezembro chegar é
possível também que uma multidão de curiosos chegue lá. No mínimo, dúzias de
jornalistas em busca de uma história.
Por isso, autoridades francesas cederam uma centena
de policiais, reforçados por bombeiros, para cuidar do local de 19 a 21 de
dezembro. A recomendação é que fechem o acesso ao pico de Bugarach e controlem
o acesso à aldeia nesse dia. Resta saber se não haverá apocalípticos
desesperados com a impossibilidade de chegar ao local e o que os policiais
fariam caso realmente aparecesse uma nave espacial com o objetivo de salvar os
escolhidos.
Nada de provas
O Museu
Internacional de Ufologia, História e Ciência estuda, entre outros aspectos da
vida fora do planeta, os fenômenos relacionados a objetos voadores não
identificados, mas com uma perspectiva diferente da maioria dos grupos
ufológicos do País. "Temos uma política que trata da temática da vida
extraterrestre com um conceito bem científico, amparado por uma
metodologia", explica o diretor, Hernán Mostajo. Ele faz questão de
ressaltar, antes de tudo, que não existe nenhuma prova científica de alguma
visita extraterrestre ao nosso planeta.
"Há,
sim, muitos relatos, alguns bastante curiosos. Mas quando vamos colocar diante
de um critério científico, caem por terra. Relato é relato, história é
história. Nenhum órgão científico no mundo inteiro deu um laudo favorável nesse
sentido", diz. O objetivo de seus estudos, afirma, é dar uma resposta para
a sociedade sobre a possibilidade de não estarmos sozinhos - ideia na qual ele
acredita -, mas baseando-se apenas em uma técnica científica. "Queremos
mostrar que a vastidão do universo é fantástica. Acredito em vida
extraterrestre e planetas habitados, mas se eles vieram até nós, não temos
provas."
Ao mesmo tempo que defende a sua metodologia,
Mostajo critica o trabalho de grupos ufológicos que disseminam histórias sem
responsabilidade - algumas delas catastróficas, como a de Bugarach.
"Participei de grupos ufológicos e congressos pelo Brasil por 15 anos.
Posso dizer que a ufologia no País está muito atrasada", diz, citando um
exemplo recente de como a divulgação dessas histórias sem uma visão crítica pode
ser nociva e gerar um acontecimento mais grave.
"Há três
meses, um maluco no norte do Brasil se disse profeta, juntou 120 pessoas e
disse que teríamos o fim do mundo. Isso não aconteceu e destruíram a casa
dele", conta. "O que me assusta é que essas revistas sensacionalistas
não pensam nos jovens que esses grupos criam. Essas conspirações equivocadas
geram um conflito na mente do ser humano", pontua Mostajo, chamando os
responsáveis por publicações desse caráter de analfabetos científicos, que não
têm qualidade para transmitir conhecimento responsável.
Os fanáticos que apostarão sua salvação em Bugarach,
além da crença nos extraterrestres que estacionaram suas naves no monte, também
acreditam que o mundo vai, realmente, acabar no dia 21 de dezembro. "Em
2001, já se dizia que o mundo ia acabar. E agora, em 2012, se fala do
calendário maia. Mas é apenas um ciclo natural de tempo que aquelas pessoas
criaram, não tem nada a ver", diz o professor.
Postado
em 06 de dezembro de 2012
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