Autora de nove best-sellers sobre distúrbios da
mente, a psiquiatra Ana Beatriz Barbosa lança agora um livro sobre um
transtorno pouco conhecido: a personalidade borderline, como conta a nossa
Época desta semana. Em ‘Corações descontrolados. Ciúmes, raiva, impulsividade,
o jeito borderline de ser’, ela tenta desvendar o comportamento de pessoas com
hiperatividade emocional. “Elas costumam lidar muito mal com a rejeição, a
desaprovação e o abandono. Sentem ciúmes descontrolados, paranoia e apresentam
grande instabilidade emocional”, afirma a autora.
Quando
o ciúme vira transtorno?
Ele só é patológico quando começa a causar uma
disfuncionalidade na vida da pessoa. Ela falta ao trabalho para perseguir o
parceiro, torna-se agressiva com ele e as pessoas a sua volta e passa a ocupar
muito tempo na função de fiscalizá-lo. Ciúme é normal. A quantidade excessiva
de tempo que ele toma na sua vida é que é o problema.
As
redes sociais tornaram as pessoas mais ciumentas?
As redes sociais trouxeram um fator infernizante
para as pessoas borderline, porque são facilitadoras da necessidade de
controlar o outro. O border tem tão pouco senso de autopercepção, que ele passa
a viver em função de seu objeto amoroso e se vê como um reflexo do outro, não
como uma pessoa com qualidades próprias. Ele enlouquece nas redes sociais e tem
um sofrimento atroz, porque não consegue sair dali. Vira um detetive virtual,
esmiuçando segundas intenções atrás dos posts mais simples. É impressionante a
quantidade de pacientes adolescentes que chega ao consultório relatando a dor
de ver seus ex-parceiros postando que foram a uma festa, que seguiram a vida
adiante.
Existe
uma maneira de identificar numa criança os sintomas de personalidade
borderline?
Não se trata de uma doença em si. Como é um
transtorno de personalidade, é um jeitão que a pessoa tem. No caso do border,
essa instabilidade do humor é ditada pelo que acontece com seus afetos, pela
impulsividade de se machucar para não perder o outro. As crianças border
geralmente são adoráveis, muito meigas e carinhosas. Como têm excesso de
emoção, comovem-se quando veem os pais sofrendo ou quando, por exemplo, se
deparam com uma criança abandonada na rua. Elas também pedem muita atenção e se
veem como preteridas ao menor sinal de rejeição. Se tiverem um irmão ou dois,
vão ter a sensação de menos valia. O grande problema é na fase de adolescência,
quando se apresentam os primeiros movimentos da paixão, de borders ou não
borders. Os borders ficam obsessivamente apaixonados e deslumbrados com o ser
amado. Sofrem à décima potência quando não são correspondidos ou se veem a
paixão chegar ao fim. Ficam desesperados, podem se machucar, cortar os pulsos,
tomar excesso de remédios. É o momento em que os pais têm o primeiro sinal.
É
possível ter uma relação saudável com um borderline?
É possível, desde que o border tenha uma noção exata
do que ele é e que batalhe por esse ajuste da personalidade. Ele deve canalizar
esse excesso de emoções para elementos positivos. Amar um border é facílimo. Os
primeiros contatos são maravilhosos, até o momento em que eles ficam
dependentes. O medo de perder os leva a fazer tudo errado. No início, é um amor
jogado a seus pés, e isso fascina. É muito típico a mulher border atrair dois
tipos de homem. O primeiro é o perfeccionista, que se encanta com a liberdade e
a falta de cerimônia em demonstrar os sentimentos da border. Ela se joga e
mostra um outro lado para ele. Quando a relação começa a desandar, ele tenta
resgatar aqueles momentos maravilhosos do início e mudá-la. O segundo é o
psicopata, que é perigosíssimo. Ele vê na border uma pessoa perfeita para ser
usada, para cometer o lado sujo do crime. É o caso dos traficantes que usam as
mulheres apaixonadas para servir de avião. Enquanto elas não são pegas, tudo
vai às maravilhas. Se forem presas, eles nem a visitam na cadeia.
Há
tratamento para esses pacientes?
O tratamento é um grande ajuste, um
redimensionamento de energia. Tirar vantagens dessa emoção para que ela seja
produtiva, não só destrutiva. Toda personalidade tem seu lado positivo e suas
limitações. O lado positivo do border é o mais frágil, essa ebulição emocional.
Se ele trabalhar com algo ligado à arte, por exemplo, é fundamental que tenha
essa ebulição emocional. Elizabeth Taylor era inteiramente borderline; Wynona
Ryder, idem. São atrizes muito viscerais, que chegam a se confundir com as
personagens. Quando isso é bem canalizado, a vida do border deixa de ser apenas
em função do lado afetivo. Sua auto-estima é alimentada pelo reconhecimento. Se
tem medo da rejeição, ele tem o amor do público. É um outro ponto de apoio que
não é só o intimo.
Qual
o limite do amor saudável?
Um border fica cego de raiva quando é rejeitado. Ele
tem reações que faz com que o outro o rejeite mais ainda. A gente mapeia e
explica para ele. É como uma burrice emocional. Nossos tempos ainda vêm do mito
do amor romântico, aquela relação perfeita que dá aconchego, sexo bom e
segurança. Isso não existe, mas indústria vende esse valor inalcançável. O
border acredita nesse amor romântico de uma tal maneira que, a qualquer
imperfeição, ele entra em desespero. Isso não é amor, é um grande vício. Amor
não é uma pílula mágica, sua vida não será perfeita quando encontrá-lo. O amor
verdadeiro é aquele que desperta o que há de melhor em cada um de nós e nos
permite várias conexões. Amor não é desespero, é aconchego.
Revista Época
Postado em 20 de novembro de 2012
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