Washington – Jennifer Smith, sargento técnica da
Força Aérea norte-americana, entrou na sala de um oficial sênior na Base Aérea
de Kunsan, na Coreia do Sul, com uma pilha de papéis. Ao invés de assinar os
documentos, segundo ela, ele insistiu que ela se sentasse
Jennifer Smith, sargento técnica da
Força Aérea norte-americana, entrou na sala de um oficial sênior na Base Aérea
de Kunsan, na Coreia do Sul, com uma pilha de papéis. Ao invés de assinar os
documentos, segundo ela, ele insistiu que ela se sentasse.
'Ele me disse: 'é
final de sexta-feira, por que você não tira a blusa e fica à vontade?'',
lembrou Smith.
Na Alemanha, um sargento que se ofereceu para
acompanhá-la até sua casa tentou agredi-la sexualmente, ela disse, e só parou
quando colegas de trabalho intervieram. Na Base da Força Aérea de Shaw, na
Carolina do Sul, onde ela acabou reclamando sobre pornografia e outros
materiais explícitos nos computadores da sua unidade, um supervisor a
aconselhou a ficar quieta, ela contou.
Durante sua carreira de 17 anos como mulher alistada
fazendo trabalho administrativo para esquadrões da Força Aérea, Smith disse ter
sofrido repetidas agressões e assédios sexuais. Ela disse que agora está
decidida a contar tudo, depois de ficar calada por muitos anos, já que os oficiais
superiores estavam envolvidos ou pareciam tolerar comportamentos impróprios
vindos dos pilotos, um dos grupos militares mais de elite.
'Eu aprendi rapidamente que as mulheres alistadas
que têm sucesso são aquelas que mantêm a boca bem fechada', contou Smith, que
preencheu uma reclamação formal em outubro, acusando a Força Aérea de ter
fechado os olhos para os constantes ataques e assédios sexuais contra as
mulheres. 'Falar pode ser o final de uma carreira.'
A Força Aérea não quis comentar suas alegações,
citando leis de privacidade, mas disse que está atuando para combater tais
comportamentos. 'A meta para assédio sexual na Força Aérea americana é zero',
disse o General Mark A. Welsh III, chefe de pessoal da Força Aérea, em uma
declaração por escrito. 'Se você é um comandante ou um supervisor e não está
direta e agressivamente envolvido em falar sobre esse problema na sua unidade,
então você não é parte da solução, você é parte do problema.'
Confrontado com processos e pilhas de evidências de
abuso sexual bastante difundido nas forças armadas, o secretário de defesa dos
Estados Unidos, Leon E. Panetta, reconheceu este ano que o número de agressões
sexuais no serviço militar é provavelmente bem mais alto do que as estatísticas
oficiais mostram, porque muitos casos são encobertos. Mais de 3 mil agressões
sexuais foram relatadas em 2011 entre todas as forças armadas, mas Panetta
disse que o número real pode chegar a 19 mil.
O Departamento de Defesa descobriu que cerca de uma
entre três mulheres nas forças armadas já foi agredida sexualmente, ante uma
entre seis mulheres civis. Cerca de 20 por cento das veteranas que serviram no
Iraque ou no Afeganistão passaram por algum tipo de agressão ou trauma
relacionado, de acordo com a Administração de Veteranos. 'Apesar da
implementação de programas de prevenção e uma melhora no mecanismo de
denúncias, as soldados continuam passando por agressões e assédios sexuais e
relutam em denunciar os incidentes', concluiu um relatório de 2011 do
Ministério do Trabalho.
Susan Burke,
advogada de Washington, representante de mulheres que dizem ter sofrido assédio
ou agressões sexuais e que já tenham aberto uma série de processos contra o
Pentágono desde o ano passado, disse que desde então, mais de 500 outras
mulheres, incluindo Smith, e alguns poucos homens, a contataram em busca de
ajuda.
A Força Aérea e outros serviços instituíram
programas para deter os abusos e disciplinar aqueles que os cometem. Mas Smith,
que ainda trabalha na 20ª Fighter Wing (unidade de aviões de caça) na base de
Shaw, e outros membros da Força Aérea dizem que as mulheres estão céticas.
A sargento técnica da Força Aérea Kimberly Davis,
que se alistou na Base da Guarda Nacional Aérea de Stewart em Nova York, disse
que depois de haver relatado ter sido estuprada, os oficiais da base, incluindo
um designado para lidar com os casos de assédio sexual, conspiraram para
acobertar o episódio. 'O programa da Força Aérea para assédio sexual é uma piada',
ela disse.
Lola Miles, ex-mecânica de helicópteros de Hurlburt
Field, na Flórida, disse que quando contou aos seus oficiais superiores que
havia apanhado repetidas vezes de um colega de trabalho e que ele teria feito
insinuações vulgares a ela, eles transformaram o assunto em piada. Ao invés de
tomar alguma atitude contra o colega de trabalho, ela diz, os líderes de sua
unidade tentaram fazê-la perder a credibilidade e a forçaram a sair da Força
Aérea. Tanto ela quanto Davis abriram processos contra a Força Aérea.
Smith, 35 anos, trabalhou com o esquadrão de guerra
dentro dos Estados Unidos e em alto mar durante a maior parte de sua carreira.
Sua contagem de abusos sugere que mais de 20 anos depois de Tailhook, o famoso
escândalo envolvendo pilotos da Marinha, pouco mudou na cultura deles.
'Eles não sabem lidar com mulheres nos esquadrões',
disse Smith. 'As forças armadas estão prosseguindo com o combate ao 'não
pergunte, não conte', mas não estão prontas nem para lidar com mulheres.'
'Os pilotos sabem que os vemos como heróis', ela
completou. 'É só um jogo para eles, na verdade.'
As alegações de Smith não puderam ser confirmadas de
forma independente, já que ela não prestou queixas formais sobre os episódios
ocorridos – muitos dos quais já há muito tempo – até agora. Muitas outras
pessoas da Força Aérea que ela dizia saberem de alguns dos incidentes,
incluindo seu marido, alistado na 20ª Fighter Wing, não quiseram dar
entrevistas para esta matéria, alegando medo de retaliação. O comandante de sua
unidade, Coronel Clay W. Hall, não citou ninguém específico, mas escreveu em
nota: 'Tratamos esses problemas com a maior seriedade. Todas as alegações de má
conduta são investigadas imediatamente, e medidas são tomadas apropriadamente'.
A reclamação administrativa por escrito de Smith,
arquivada na Força Aérea, mostra que ela tem recebido notas altas nos
relatórios de desempenho. Ela entrou para a Força Aérea em 1995, direto do
ensino médio em Salamanca, Nova York. No ano seguinte, durante sua primeira
missão temporária fora do país, na Base Aérea de Sembach, na Alemanha, ela foi
agredida por um primeiro sargento no quarto dele depois de uma noite de
bebedeira, contou. Os colegas de trabalho que apareceram para resgatá-la a
avisaram que o sargento tinha uma fama de atacar as jovens que se alistavam,
disse ela.
Em Kunsan, na Coreia do Sul, em 2001, contou Smith,
ela andava por um bairro cheio de bares, America Town, perto da Base, quando um
grupo de pilotos saiu correndo de um bar, a carregou para dentro e a jogou em
cima de uma mesa. Cerca de 30 pilotos se juntaram em volta dela. Ela foi pega
em uma 'varrida', quando os pilotos agarram mulheres nas ruas para 'cerimônias
de nomeação', ou festas regadas a bebida para comemorar um novo nome de guerra
de um piloto. 'Alguns pilotos chamavam Kunsan de 'a terra do faça o que bem
entender'. Eles podiam se safar de qualquer coisa.'
Naquele mesmo ano, em uma festa na casa do
comandante da base em Kunsan, vários pilotos a agarram e a amarraram junto com
um piloto usando fita adesiva, apesar de sua resistência, alegou. Vinte ou mais
pilotos se reuniram em volta deles, mas nada foi feito para impedir o caso.
Quando ela foi transferida para a Base Aérea Luke,
no Arizona, Smith, então casada com um homem alistado em sua unidade, foi a um
evento de família em 2003 com o esquadrão no estádio Arizona Diamondbacks, onde
um piloto da Força Aérea lhe fez insinuações sexuais na frente de seu marido. O
casal voltou para a base e reclamou com o diretor de operações do esquadrão
sobre o assédio que ela sofreu, contou.
Nenhuma providência foi tomada, mas quando ela
chegou a sua próxima base, em Shaw, um superior a puxou de lado e lhe disse que
ela tinha uma fama de falar demais. 'Ele disse que queria ter certeza de que eu
sabia qual era o meu lugar naquele mundo, e que, se eu não soubesse, as coisas
poderiam ficar piores para mim', ela lembra.
Ela disse que finalmente se cansou e decidiu levar o
caso a público depois de descobrir uma enorme coleção de pornografia e outros
materiais explícitos ofensivos, armazenados nos computadores da unidade e em um
cofre supostamente reservado para documentos confidenciais de Shaw. Ela fez
queixas a oficiais superiores, que prometeram se livrar dos materiais, mas não
fizeram nada.
'Fui capaz de servir meu país, mas também tive que
aguentar muita coisa', disse a sargento. 'Quero que isso mude.'
Postado em 18 de novembro de 2012
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