Cantora e compositora carioca prepara o primeiro DVD
de inéditas após seis anos sem lançamentos e comemora 30 anos de carreira
Doze anos depois do último gole, do último trago, do
último escândalo e com 62 quilos a menos, a cantora e compositora Angela Ro Ro,
conhecida pelas letras autobiográficas, explica em entrevista ao iG o momento
que vive com o título de seu novo trabalho, “Feliz da Vida”.
Com uma sonora gargalhada, a carioca diz que a vida
livre de vícios não prejudicou sua inspiração em nada. “Eu era alcoólatra, a
minha poesia não”, dispara com a voz rouca e grave que a consagrou. O bom humor
também parece o mesmo, entretanto, Ro Ro se mostra mais cuidadosa.
Bebendo uma limonada suíça, ela insiste que tudo o
que fez na última década foi dar continuidade ao seu trabalho, que prefere
chamar de arte. Arte que, de acordo com a cantora, nem nos momentos mais
difíceis após a morte dos pais, na década de 1990, e em meio a uma rotina
pesada de drogas lícitas e ilícitas, foi interrompida.
“A minha carreira foi a única coisa que não parou.
Nem minha carreira e nem a minha arte”, afirma. Com tranquilidade, Ro Ro
responde às perguntas sobre qual o segredo de tanta determinação para dar uma
guinada na vida e parece não se preocupar com o assunto recorrente.
“A música fez milagres em mim. Não foi santo, não
foi religião, não foi promessa, não foi psiquiatra, não foi nutrólogo. Se eu
disser que foi um amigo ou duas amigas, mentira também”, diz ela, sem
melindres, enquanto admira a vista do Forte de Copacabana, cenário desta
entrevista.
Rodeada de amigos talentosos como Frejat, Diogo
Nogueira, Jorge Vercilo e Sandra de Sá, Ro Ro gravou o show realizado no Teatro
Net Rio, no Rio de Janeiro, no dia 15 de outubro, que irá se transformar em DVD
em 2013. A data certa para o lançamento ainda não foi definida, já que nomes
como Maria Bethânia, Ana Carolina e Paulinho Moska ainda irão gravar suas contribuições
em estúdio.
Abaixo, a entrevista com Angela Ro Ro.
iG:
O DVD está em processo de mixagem. Como foi gravar um show de inéditas depois
de tanto tempo?
Angela Ro Ro: Agora não tenho gravadora. Fizemos no
peito e na raça. No dia do show eu entrei, dei boa noite, aquele frenesi –
graças a Deus as pessoas ainda têm carinho por mim –, e disse: “Vou fazer vocês
rirem, talvez chorar, mas vou pedir uma coisa para me ajudar. Para não bagunçar
muito porque a gente quer que isso toque nas rádios. Então vocês fazem farra
antes e depois da música. Durante vocês ficam lindinhos?”. E você sabe que a
plateia respeitou a faixa sonora como se fosse uma mixagem?
iG:
Você fala como se não fosse uma cantora e compositora consagrada.
Angela Ro Ro: Porque eu não estou com essa bola
toda. Tinham 750 pessoas no teatro e não eram convidados. Tudo pagando, olha
que beleza? É muito difícil você botar 700 pessoas pagando em um lugar. Você
acredita que a plateia, que nunca tinha ouvido nada, cantou com a gente o
refrão de várias músicas?
“E a coisa mais impressionante foi que a música fez
milagres em mim. Não foi santo, não foi nenhuma religião – com respeito a todas
–, não foi macumba, não foi promessa, não foi psiquiatra. ”
iG:
Você está buscando uma retomada na carreira?
Angela Ro Ro: Não, porque a minha carreira foi a
única coisa que não parou. Nem minha carreira e nem a minha arte, a minha
música, a comédia do texto, por isso falo “minha arte”. Foi a única coisa que
não ficou doente. Meu corpo ficou doente e a minha alma ficou doente,
especialmente na década de 90.
iG:
A situação se agravou com a morte de seus pais (o pai morreu em 1997, e a mãe
em 1999, vítima de câncer)?
Angela Ro Ro: Papai morreu, mamãe morreu e eu achei
que estava indo também. Pelo menos estava parecendo. E a coisa mais
impressionante foi que a música fez milagres em mim. Não foi santo, não foi
nenhuma religião – com respeito a todas –, não foi macumba, não foi promessa,
não foi psiquiatra, não foi analista, não foi nutrólogo. Se eu disser que foi
um amigo ou duas amigas, mentira também.
iG:
Mas você coleciona vitórias contra vícios como o álcool, drogas, cigarro e
ainda se livrou de 62 quilos.
Angela Ro Ro: (faz uma pausa e respira fundo) Se
você contar teve uma hora que estava até tomando dipirona assim tchá, tchá,
tchá (faz o gesto de quem esvazia um frasco). Porque tudo vira um vício.
Obviamente você não fica legal. Todo mundo diz: “Pô, eu consegui parar de
beber, mas não consigo parar de fumar”. É para ficar impressionado mesmo.
iG:
Mas qual foi o segredo?
Angela Ro Ro: A música. Eu não conseguia parar de
fazer música. Às vezes rastejava até o teclado e ficava lá em cima. Um senhor
chamado Almir Chediak (produtor musical, assassinado em um assalto em 2003) me
chamava. Ele sabia que as coisas não estavam fáceis para mim de saúde, mas ele
telefonava e dizia: “Quantos dias para gravar o songbook do Chico Buarque? Você
está bem agora?”. Eu: “Não, Chediak, você sabe que não posso, que estou num
inferno. Minha vida está uma porcaria”. Eu falava que precisava dormir, comer,
tomar um banho, ver se tinha voz. Ele encerrava: “Fechado? 10 dias? Mando o
táxi te buscar”. Ganhei prêmio por causa dessa participação. A música conseguia
me fazer sair de qualquer maneira. Eu parava com tudo.
iG:
Você costuma dizer que não tem arrependimentos.
Angela Ro Ro: Porque a vida me sorriu. Mesmo quando
eu estava no pior momento eu não troco o meu pior dia pelo melhor dia de ninguém.
Isso é uma verdade. Se eu bebia, se eu me drogava... Esse negócio de dizer
“toma um goró e fica inspirado”. Cara, eu nunca estive tão inspirada como
agora, que não tomo nada, que tomo aqui a limonada suíça.
iG:
Então você nunca temeu a realidade do seu trabalho depois que estivesse sóbria?
Angela Ro Ro: Não tem nada a ver com isso. Eu era
alcoólatra, a minha poesia não. E a música não. Era realmente uma vida de
excessos em que eu estava vivendo o meu inferno. Eu espero não viver isso
novamente. Porque não aguento. Sou muito fraca mesmo.
iG:
Se pudesse dar um conselho para alguém que precisa vencer uma grande batalha
como abandonar o cigarro, ou a bebida, ou a droga, ou perder muito peso, qual
seria?
Angela Ro Ro: O que eu quero dizer para as pessoas é
que não tem esse negócio de diminuir. Se você for diminuindo, é bem capaz de
não parar nada. Cigarro eu não dei mais um trago desde 1999. Foi o último
cigarro que fumei. Mas não tenho a menor necessidade. Se eu fumar é capaz até
de... Não sei... Acabar desmaiando de tonteira! Se alguém fuma perto de mim,
não gosto. Não sinto vontade de fumar, sinto vontade que a pessoa pare de
fumar.
“Se eu quiser beber tem um monte de bebida aqui. Só
que acontece que eu não quero. Já fiz para caramba. Já sei o caminho do penico,
da privada. Chamar o Raul, sabe?
iG:
Você pede mesmo?
Angela Ro Ro: Se estiver em um ambiente fechado e
tiver o poder de pedir eu peço. Se for na minha casa não dou a menor facilidade
para fumante. Parar de beber, por exemplo. Se eu quiser beber tem um monte de
bebida aqui e se a gente quisesse bebia. Só que acontece que eu não quero. Já
fiz para caramba. Já sei o caminho do penico, da privada (imita som de vômito).
Chamar o Raul, sabe?
iG:
Você diz que não teve ajuda de ninguém, mas nem um acompanhamento médico?
Angela Ro Ro: Eu cheguei a um ponto de buscar meu
plano de saúde e me internar durante três semanas. A princípio o plano falou:
“Isso aqui não é spa minha senhora”. Fui bem clara: “Com licença, estou pesando
122 kg, totalmente infiltrada, pressão altíssima e vocês acham que eu não tenho
motivo de estar aqui?”. Aí não teve discussão para não se aborrecerem porque eu
ia pentelhar. Fiquei 20 dias no hospital. Fiz tudo quanto era exame para ver
como estava o fígado, afinal de contas depois de décadas de esbórnia o órgão
estava engordurado.
iG:
O que você tinha?
Angela Ro Ro: Foi a coisa mais impressionante. Fiz
os exames e acusou que estava um tanto detonado, com uma esteatose. É como se
fosse um patê, igual ao patê que eu comia, com estrias de gordura.
iG:
Para você o dependente se engana?
Angela Ro Ro: Quando estava numa péssima eu sabia
que estava numa péssima. Eu não tomava pileque para dizer: “Ah, eu estou numa
social”. Eu dizia: “Estou vivendo a grande tragédia e desgraça da minha vida”.
Tinha total consciência da miséria humana em que vivia. Quando meu pai morreu e
eu achava que estava muito mais morta do que minha mãe que estava com câncer,
eu chorei tanto que explodi as glândulas dos olhos. Chorei lágrimas de sangue,
literalmente. Era o nervoso.
iG:
As pessoas que te amavam pediam que você parasse?
Angela Ro Ro: A minha mãe, sim. No final a gente
conversava por telefone porque ela não queria que eu fosse vê-la. Foi um câncer
na carne, então caía aos pedaços mesmo e ela não queria que eu visse isso.
Mamãe era genial e tinha um humor barra pesada. Ela dizia: “Você está um lixo,
Angela Maria, está bem pior do que a sua mãe”. E eu pensei: “Meu Deus do céu,
que vergonha”.
iG:
Então isso foi um empurrão?
Angela Ro Ro: Quando a mamãe morreu, resolvi tomar
uma providência. Na época já estava careta. Mas acontece que de você parar de
fazer qualquer coisa até chegar à sua recuperação, existe um intervalo. Na
época eu falava assim: “Lembra que você foi hippie, lembra que você é doida,
que você é conhecida como louca e os loucos têm o poder da criação, têm a chave
da solução, têm a porta de emergência”. Porque só louco sabe o caminho da
emergência.
iG:
O que é pior, a ressaca física ou a ressaca moral?
Angela Ro Ro: Olha, a ressaca moral eu não tive. Me
perdoe a falta de modéstia. Sabe por quê? Porque os grandes males que foram
feitos contra mim não foram feitos por mim, apesar de todo o excesso que
cometi. Os grandes males foram cometidos por outras pessoas ou fatores
externos. Por isso não tive ressaca moral nenhuma.
iG:
As histórias que falam a seu respeito são verdadeiras ou não?
Angela Ro Ro: Eu já fiz tanta besteira que não
precisavam inventar tanto quanto inventaram. Uma das coisas, por exemplo, que
eu sou uma pessoa violenta, agressiva fisicamente. Eu nunca dei surra em
ninguém. Meus dois braços, desde os 13 anos de idade, são atrofiados por causa
de luxações. Meu úmero já saiu do lugar 41 vezes. A porrada que eu dava
antigamente era no tênis e tive que parar porque o braço ia junto. Eu apanhei e
fui espancada, isso sim.
“Acho que uma das razões máximas para ter sido
vítima foi a homofobia”
iG:
E a história do incêndio? Que você foi indiciada por ter iniciado um incêndio
no seu próprio prédio? Também é mentira?
Angela Ro Ro: Não teve nada disso (risos). Moro em
um apartamento com uma área de serviço aberta. Na época realmente eu não estava
bem. Numa das minhas passadas para a geladeira para fazer um daiquiri
inflamado, um dry martini com a cara do demônio dentro, eu vi um treco cair
como se fosse um pedaço de pano com um fogo azul. Caiu no vizinho que tinha
telhas de acrílico. Eu chamei os bombeiros. Fui eu que cedi meu apartamento
para os bombeiros entrarem e fazerem a vistoria. Foi apenas uma chama que
estragou uma telha de plástico. Imagina se eu ia subir não sei onde para por
fogo no telhado do vizinho com todo mundo me olhando...
iG:
Sofreu com esse tipo de boato?
Angela Ro Ro: Todos são poupados de linchamento. Eu
não fui. A imprensa mórbida se mostrou cruelmente covarde e caluniante. Eu
fiquei totalmente impotente. Meu pai ficou numa depressão absurda. Minha mãe
contraiu câncer. Todo mundo que mentiu, que bloqueou a verdade, que foi omisso,
há de pagar. Agora não sou eu que estou pedindo vingança porque segui com a
minha vida. Deprimida, tristíssima, caí em tudo quanto era boca de putaria,
cada vez que eu tentava me levantar inventavam mais merda, me arranjavam mais
besteira. Em resumo, eu fiz tanta besteira na vida que não precisavam inventar.
iG:
Você acha que tudo isso aconteceu com você porque sempre disse o que pensava e
levava os boatos com humor?
Angela Ro Ro: Acho que uma das razões máximas para
ter sido vítima foi a homofobia. Só pode ser. Desde o início era lindíssima e
declarei para todos que era homossexual. Declarei que era anarquista, graças a
Deus. Falava francamente sobre o regime militar, sobre a arbitrariedade
violenta da polícia. E olha que meu pai foi (da) polícia. Fui criada por um
homem de verdade. Meu pai era diretor do Instituto de Criminalística do Rio de
Janeiro. Então, eu sempre aprendi a não ter vergonha do que eu sou ou do que
faço.
iG:
Se arrepende de ter se assumido publicamente?
Angela Ro Ro: Eu não me arrependo de nada do que eu
sou. E outra coisa, eu não faço sexo em público. Eu faço música. Se tivesse
ateado fogo a Roma eu assinaria embaixo “NeRoRo”, né?
“Eu não me arrependo de nada do que eu sou. E outra
coisa, eu não faço sexo em público. Eu faço música”
iG:
Os artistas e as pessoas de maneira geral têm esse receio.
Angela Ro Ro: As pessoas em maneira geral são
cagonas. Eu não sou. Minha mãe não era e meu pai, apesar de ser homem, não era
cagão. Eu não me arrependo de nada porque não tenho tempo de ter
arrependimentos. Eu tenho que seguir vivendo na existência máxima e maravilhosa
que eu tenho. Adoro a minha vida e gosto muito de mim, sabe? Eu nunca fui
contra mim. As coisas acontecem na vida da gente. Mas eu não posso me
arrepender porque não fui uma suicida. Agora eu fui profundamente caluniada e
fui prejudicada por fatores outros.
iG:
Essas alianças no cordão no seu pescoço eram dos seus pais?
Angela Ro Ro: Não. As dos meus pais são mais ouro.
Isso aqui é porque eu estou casada pela última vez há cinco anos, mas parei de
comprar aliança no segundo. E eu não gosto de usar aliança na mão.
iG:
Nunca quis ter filhos?
Angela Ro Ro: Não. Vou fazer meus exercícios
naqueles aparelhos de alongamento que têm nas praças e fico vendo como os pais
tratam as crianças. Já discuti com pessoas que não estavam nem aí. Canso de ver
pai que fica no telefone, de saco cheio, e nem olha para o que o filho está
fazendo. Eu jogo futebol com eles, brinco. Acho que amor não está ligado
necessariamente à maternidade.
iG:
Durante nossa conversa, em vários momentos você checou a aparência, perguntou
se está bem, conferiu o visual num espelhinho. É vaidosa?
Angela Ro Ro: Essa vaidade de estar preocupada se
estou bem é porque sou artista. Estou aqui sendo fotografada e lógico que estou
querendo saber se a vovó selvagem vai sair bonitinha, mas normal. A pior das
vaidades, aquela que a gente não deve ter, é a vaidade de arrogância, de não
querer se autoconhecer por medo. Essa, graças a Deus, não tenho, não.
Postado
em 28 de novembro de 2012
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